Vida natural

sexta-feira, 31 de julho de 2009

Literatura de cordel é a grande atração nas aulas do professor Rariosvaldo na Escola Francisca de Oliveira

Se para alguns estudantes interpretar textos tem sido uma tarefa dolorosa, tal sacrifício não é visto pelos alunos do 5 Ano “A”, da Escola Municipal Professora Francisca de Oliveira, bairro Pajuçara, zona norte de Natal. Tal fato não se deve a nenhuma metodologia de ensino rebuscada, mas uma prática que o professor Francisco Rariosvaldo de Oliveira, 35 anos, encontrou através da literatura de cordel, um recurso simples, de fácil acesso, mas pouco valorizado pelos educadores do RN. Mesmo com pouco tempo de uso, o trabalho de cordel tem rendido bons frutos e hoje a escola já começa a formar um público cativo deste gênero literário que bem caracteriza o Nordeste brasileiro.
Amante do cordel desde a infância, a primeira experiência de Rariosvaldo em sala de aula aconteceu no ano passado, quando pegou uma turma que tinha muita dificuldade na leitura. Na oportunidade, o professor ficou sem saber o que fazia, foi quando resolveu apostar no cordel. Logo no primeiro contato, ele observou que alguns alunos demonstraram muita curiosidade, o que abriu caminho para a execução de seu projeto em sala de aula.

As vantagens do cordel como recurso didático


Para Rariosvaldo, o cordel, de cara, é um recurso que apresenta duas vantagens. A primeira é que sua estrutura com parágrafos (estrofes) curtos e seqüenciada facilita a leitura, e de quebra, melhora a ortografia do aluno. Porém, a melhoria da ortografia no cordel não acontece de forma diretiva, mas numa espécie de desconstrução literária. Ou seja, o cordelista fala o dialeto do camponês e o aluno leitor vai verificando as incorreções e vai reescrevendo para uma linguagem coloquial. É aí que entra intervenção pedagógica de Rariosvaldo.
O mais interessante nas aulas de Rariosvaldo, é que seus alunos vão além da leitura do cordel. Suas aulas são verdadeiras oficinas de produção literária. Ele coloca no quadro alguns versos, mostrando como se compõe a rima em cada estrofe, e aos poucos vai incitando os alunos a produzirem instantaneamente os seus próprios versos de cordel. Esta prática finda envolvendo toda a turma, onde cada um quer ver a sua produção na lousa.

Menino pobre encontra no cordel sua única fonte de conhecimento

Menino pobre do interior do Estado, Rariosvaldo (natural de Rafael Fernandes) encontrou no cordel sua única oportunidade de acesso ao saber. O contato se deu graça ao amor de sua genitora, a doméstica Zumira Maria de Jesus, pela literatura nordestina. O professor que viveu toda a sua infâcia em Olho d’Agua dos Borges, lembra que dona Zumira enquanto fazia suas obrigações domésticas cantava os versos de cordéis. “Isto era o dia todo”, explica o professor, lembrando que sua mãe também ganhava o sustento com costuras.
O hábito de dona Zumira findou contagiando Rariosvaldo que logo se interessaria em ler os cordéis que existiam em sua casa. “Esta era a única leitura disponível no meu tempo de criança. Livros, revistas e jornais eram artigos difíceis de serem encontrados no meu tempo de infância”. O professor lembra que logo leria quase toda uma coleção intitulada “Cruzeiro do Norte”, que entre outros títulos estavam “Pavão Misterioso”, “O cachorro dos mortos”, “O negrão do Paraná e o seringueiro do Norte” e “João Grilho” , “O sabido sem estudo”, entre outros.
As lembranças da vida simples de criança é quem alimenta o amor pelo cordel. “Tem poemas, que ao ouvir, parece me transportar a minha infância em Olho d”Àgua, lembra emocionado o professor. Ele encerra a entrevista, e com os olhos brilhando de alegria, recitando, de cor, o poema abaixo:

O camponês vive em paz
Por mais recurso que tenha
Prefere um fogão de lenha
Do que um fogão à gás.
Pelas telhas e frechás
Sai fumaça do fogão
Que se espalham no oitão
Cheiro de café coado.
Quer ver um reino encantado
Passe os tempos no sertão”.

Cordel remonta a genealogia da literatura da humanidade

Para o senso comum, a literatura de cordel é um estilo literário propriamente brasileiro. Porém, ao se fazer um estudo mais profundo, se vai verificar que ele está ligado ao surgimento da literatura na humanidade. Os primeiros grandes escritos não eram em prosa, mas em verso. Um exemplo disto são as grandes narrativas sagradas, como a Odisséia, de Ulisses, Os poemas de Judite, Bíblica Judaica, O Avesta, na Pérsia, e os milenares poemas que compõem a coletânea dos Vedas, livro sagrado do hinduísmo.
Mas, a história da literatura de cordel propriamente dita, parece começar com o romanceiro luso-espanhol da Idade Média e no Renascimento O nome estaria ligado à forma como ele seria comercializado na Península Ibérica. Cordel significa cordão, em Portugual, onde a literatura era dependurada. Gil Vicente (1465-1536) foi um dos escritores que mais vendeu este tipo de impresso.

Literatura símbolo do Nordeste

No Brasil, este gênero literário é uma espécie de símbolo do Nordeste, especificamente nas regiões do Seridó do RN e PB e Cariri (CE). Também estas duas regiões foram habitadas por portugueses, motivados pela agropecuária, os quais trariam consigo a cultura luso. Porém, é na segunda metade do Século XIX começaram as impressões de folhetos brasileiros, com características próprias daqui. Os temas incluem desde fatos do cotidiano, episódios históricos, lendas, temas religiosos, entre muitos outros. As façanhas do cangaceiro Lampião (1900-1938) e o suicídio do presidente Getúlio Vargas (1883-1954) são alguns dos assuntos de cordéis que tiveram maior tiragem no passado. Não há limite para a criação de temas dos folhetos. Praticamente todo e qualquer assunto pode virar cordel nas mãos de um poeta competente, como é o caso do professor Rariosvaldo.